«Outra parábola lhes propôs, dizendo: O reino dos céus é semelhante ao grão de mostarda que o homem, pegando nele, semeou no seu campo; o qual é, realmente, a menor de todas as sementes; mas, crescendo, é a maior das plantas, e faz-se uma árvore, de sorte que vêm as aves do céu, e se aninham nos seus ramos.» Mateus 13:31-32 Jesus anunciou um reino peculiar. Imagino os seus contemporâneos a vê-lo ...
Ler MaisO silêncio é uma palavra difícil? Uma sala grande onde o vazio é ensurdecedor? Onde eu vivo não há o rio do tempo e a sala do silêncio é soalheira, um lago de luz, onde, por vezes, as águas se turvam. As artérias do tempo pulsam-te visivelmente nos punhos, no pescoço e nas têmporas. No meu corpo, porém, não há tecidos, vasos, líquidos onde o tempo possa dissolver-se. E o que lês no braile do silêncio tem as marcas de aguilhões que te agridem. Mas, repara. São marcas. É a dor fantasma em membro de outrora? Não ter tecidos, vasos, líquidos não me iliba da autoria ...
Ler MaisA calma é um braço. Há um lago de leite e, ao fundo, o pôr do sol, esvaindo-se em tons de salmão. Esta é a hora. Um dedo toca o oceano brando, e um relevo de círculos concêntricos deixa-se embalar no sussurro da brisa e das águas lentas. Os flamingos da minha imaginação esvoaçam, banham-se, descansam de pé sobre uma pata. O silêncio é o som das aves, da brisa, da água, recapitulado. Um braço humano eleva-se e abre na elegância de um arco. A cabeça reclina-se sobre o ombro nu. O ar ...
Ler MaisA raiva tem dentes de cão pequeno. Sempre demasiados, Demasiadamente agudos, Longilíneos como pincéis. Contidos (sempre) num espaço (que é) ínfimo. E extravasada, ainda assim, o ar é uma bochecha. A raiva, contida sempre, miudinha, proibida, invade de dentro para fora, prestes (dentro da boca) a perfurar um vaso tenso e a lançar-se, líquida, em bossas. O lábio inferior, trémulo, sanguíneo. Os salpicos de cuspo profetizando vómito (tragam toalhas). Irrompe como um relâmpago, desirmanada do corpo que dança aos solavancos automáticos de uma convulsão febril. E fura, mas sempre os dentes, demasiado pequenos num cão demasiado pequeno que ...
Ler MaisO amor é uma caverna e um caminho pouco iluminado, fome, multiplicação dos pães, excesso e o levar das mãos à boca. O sal está algures nas paredes e no chão. (Como aparece no pão?) É transvisceral o amor. É transcorporal o amor. O amor transcende. Transpira. Recusar-lhe o suor é recusar-lhe o sal e o sabor. Como na poesia, a descoberta da verdade no amor faz-se pelo acidental no som, pelo lúdico no som, e pelo ombro a ombro das palavras escolhidas (ou o abraço ou o beijo) e pelas ervas daninhas que nascem ...
Ler Mais“Deixa as folhas assentar. Permite na chávena o Outono.” – disse de mim para mim. Vi-me a rodar no encantamento amarelo do chá. Se continuasse recolheria as folhas e os seus fragmentos, faria um pequeno monte, viveria além. Mas não podia. Não eram meus nem as folhas nem o arbusto, muito menos a terra, o ar e o sol, tão pouco o chá. Dali em diante contentar-me-ia com o perfume da lúcia-lima e a evocação de uma alegria original. Afastar-me da chávena quente custou-me o Inverno das mãos. Bebia-o, porém, nos sonhos e ...
Ler MaisEscreve os seis nomes numa pedra e os outros seis nomes noutra. Compra o leite E o azeite E o ouro puro. As pedras são para pôr aos ombros. Onde quer que entre leva-nos com ele. Estamos lá todos contidos em doze nomes de filhos. Gostava de ver o azeite a escorrer. Nos cabelos, o óleo O rosto, luzidio A barba a pingar As manchas da gordura da oliveira a alastrarem na roupa. Isto seria a união da cabeça ungida E do corpo que faz, Aarão. Estaríamos lá todos nos cabelos ...
Ler MaisA Tua voz está gravada no meu endocárdio. Ouço-a através de todas as camadas do meu corpo Sim, o meu corpo. Que é como quem diz um búzio, nebulosa de todo um oceano, maresia e vento desenrolados na gruta de um ouvido. Sim, Tu habitas-me. Sou tabernáculo, tenda, cortinas, placas. Que é como quem diz ossos, músculos e vasos, pele. O Teu nome jorra-me no sangue, Sinto-o em convulsões sôfregas na aorta. Tenho sede. A Tua voz responde que beba o copo de água pousado ...
Ler MaisO banho fez o dia. A manhã nasceu depois de se lavar. Tudo o resto automatizou-se Na engrenagem das peças E fez-se um. Lavar é o secretariado da prontidão, haja ou não no ar o espírito de melancia da relva cortada. (Os palpos da aranha deixam de fazer sentido nos cantos.) Desejar a água é a natureza das plantas E repeti-lo é saber contar os dias (são ciclos e ciclos.) O tempo deixa ver-se na mudança dos corpos entre as estacas da partitura (imagem terrível a de uma flor a ...
Ler MaisEu guardo o teu segredo e tu guardas o meu. Escapulo-me do rebuliço, (vou ao teu encontro) afasto as canas com uma mão (vou ao teu encontro) e com a outra, o cabelo do milho com um braço (tenho um novelo quente no tórax) e com o outro (uma alegria pulsa no pássaro dentro do ovo). Os meus passos, velozes (o movimento ascendente dos joelhos) indiferentes ao burburinho da relva (a consternação que diz não escuto), ao arranhão com que as silvas sempre surpreendem (detenho-me um pouco na dor). E afirmo-te: Se ...
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