Folhas de Chá

 

“Deixa as folhas assentar.

Permite na chávena o Outono.”

– disse de mim para mim.

Vi-me a rodar no encantamento

amarelo do chá.

Se continuasse

recolheria as folhas e os seus fragmentos,

faria um pequeno monte,

viveria além.

Mas não podia.

Não eram meus

nem as folhas

nem o arbusto,

muito menos a terra,

o ar e o sol,

tão pouco o chá.

Dali em diante

contentar-me-ia com o perfume

da lúcia-lima

e a evocação de uma alegria original.

Afastar-me da chávena quente

custou-me o Inverno das mãos.

Bebia-o, porém, nos sonhos

e repetidamente sonhava-o.

O vapor dentro de mim, percebi,

foi uma apropriação

diferente, em natureza, de um furto.

Haveria de confortar-me na ideia do calor.

Ainda assim,

a via olfactiva da verdade

iludia-me

com a sensação de estar na posse

de um tesouro

(conhecia somente as coordenadas)

e dava por mim a sorrir para dentro,

nos espaços siderais das estações

de caminhos de ferro.

 

 

Abigail Ribeiro

21 de Outubro de 2022

 

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